Já o tinha encontrado pela altura do Natal, época em que a sua entrada nem seria de estranhar, não fosse o seu fato de Pai Natal ser azul-bebé em vez de vermelho.
Hoje voltou a entrar no meu bus, com o mesmo fato, as mesmas barbas brancas e com uma pasta tipo-executivo pejada de autocolantes. Consegui ler um “Só há rapaz se a mulher o quiser”, qualquer coisa que começava com “Arrependimento”, várias imagens de santos e pequenas quadras. Sentou-se perto do motorista e iniciou um interessantíssimo monólogo sobre a comparticipação de dentaduras: “Pago ao Estado. Pago ao Estado pelos dentes de uma criança. A mãe que quer uma dentadura nova só tem de engravidar e tem os dentes de graça. A seguir aborta mas já não importa.” O tema saltou para o dinheiro (“a matéria-prima do Homem” como lhe chamou) e para a dificuldade que um homem tem em o esconder das mulheres: “Não o pode guardar na cama porque a mulher faz sexo todos os dias. Mesmo que esteja grávida.”
E depois saiu de rompante pela porta da frente.
O motorista pareceu aliviado, mas a viagem perdeu parte do seu encanto.
quinta-feira, 30 de abril de 2009
quarta-feira, 29 de abril de 2009
… sabe-se que o banco de trás não é grande coisa
O último banco tem quatro lugares. Três deles são maus e um é aceitável.
Os dois da direita, por estarem localizados por cima de uma das gigantescas rodas do autocarro, implicam que se pouse os pés a um nível mais elevado. Ora pernas encolhidas = desconforto. A acrescentar a isto, é praticamente impossível sair-se do lugar encostado à janela, pelo menos sem incomodar os dois passageiros do lado.
Depois há o terceiro lugar a contar da direita. Fica mesmo alinhadinho com o corredor central, o que é excelente para se rebolar por ali fora caso o bus resolva travar de forma mais afincada. As vistas não são grande coisa: à direita um par de passageiros, à esquerda um passageiro e alguma distância para a janela e, em frente, ou mais passageiros ou o tal corredor vaziamente assustador.
Finalmente chegamos ao lugar aceitável. Fica do lado esquerdo mesmo junto a um depósito cuja utilidade desconheço. Para além de se conseguir ter os pés a um nível normal, ser relativamente fácil sair-se e ter-se a protecção do banco da frente contra travagens, o lugar presenteia-nos com um apoio para o braço direito. Ou para pousar o saco da ginástica. Para conseguir ultrapassar a sua condição de aceitável só lhe falta mesmo uma melhor suspensão. É que quando se anda de autocarro sabe-se que no banco de trás qualquer buraco ou lomba na rua não passa despercebido.
Os dois da direita, por estarem localizados por cima de uma das gigantescas rodas do autocarro, implicam que se pouse os pés a um nível mais elevado. Ora pernas encolhidas = desconforto. A acrescentar a isto, é praticamente impossível sair-se do lugar encostado à janela, pelo menos sem incomodar os dois passageiros do lado.
Depois há o terceiro lugar a contar da direita. Fica mesmo alinhadinho com o corredor central, o que é excelente para se rebolar por ali fora caso o bus resolva travar de forma mais afincada. As vistas não são grande coisa: à direita um par de passageiros, à esquerda um passageiro e alguma distância para a janela e, em frente, ou mais passageiros ou o tal corredor vaziamente assustador.
Finalmente chegamos ao lugar aceitável. Fica do lado esquerdo mesmo junto a um depósito cuja utilidade desconheço. Para além de se conseguir ter os pés a um nível normal, ser relativamente fácil sair-se e ter-se a protecção do banco da frente contra travagens, o lugar presenteia-nos com um apoio para o braço direito. Ou para pousar o saco da ginástica. Para conseguir ultrapassar a sua condição de aceitável só lhe falta mesmo uma melhor suspensão. É que quando se anda de autocarro sabe-se que no banco de trás qualquer buraco ou lomba na rua não passa despercebido.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
… espera-se numa fila
E não se pense que esta é uma tarefa fácil.
Antigamente as filas faziam-se na direcção da porta de saída. Mais recentemente, e muito bem, alterou-se a direcção da fila de forma a não complicar a saída dos passageiros. Na altura da mudança, desenharam-se pés coloridos no chão para facilitar a transição. Entretanto os pés apagaram-se e as filas ficaram confusas. Há quem tenha adoptado a nova metodologia e se organize na direcção certa. Há quem mantenha a anterior estratégia, ou porque não se apercebeu da alteração ou porque está demasiado preso a tradições para ceder a tal ideia-mirabolante. Depois há os que chegam à paragem e, perante o cenário de filas que se formam em sentidos opostos, opte por se manter à distância e só avançar quando a porta de entrada se abre. O resultado nunca é bom, está claro, principalmente quando já se acumulou um número simpático de passageiros ansiosos por apanhar um dos poucos lugares sentados. Há sempre empurrões e antipatia e queixumes e eu estava primeiro e etc.
Não estou à espera que uma nova campanha de sensibilização para a formação-de-filas-de-espera-de-autocarros avance, até porque as pessoas não deixam de entrar por causa da confusão. Resta-nos esperar para ver quem vence: a-super-fila-super-tradição ou a neo-fila-menos-confusão.
Antigamente as filas faziam-se na direcção da porta de saída. Mais recentemente, e muito bem, alterou-se a direcção da fila de forma a não complicar a saída dos passageiros. Na altura da mudança, desenharam-se pés coloridos no chão para facilitar a transição. Entretanto os pés apagaram-se e as filas ficaram confusas. Há quem tenha adoptado a nova metodologia e se organize na direcção certa. Há quem mantenha a anterior estratégia, ou porque não se apercebeu da alteração ou porque está demasiado preso a tradições para ceder a tal ideia-mirabolante. Depois há os que chegam à paragem e, perante o cenário de filas que se formam em sentidos opostos, opte por se manter à distância e só avançar quando a porta de entrada se abre. O resultado nunca é bom, está claro, principalmente quando já se acumulou um número simpático de passageiros ansiosos por apanhar um dos poucos lugares sentados. Há sempre empurrões e antipatia e queixumes e eu estava primeiro e etc.
Não estou à espera que uma nova campanha de sensibilização para a formação-de-filas-de-espera-de-autocarros avance, até porque as pessoas não deixam de entrar por causa da confusão. Resta-nos esperar para ver quem vence: a-super-fila-super-tradição ou a neo-fila-menos-confusão.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
… sabe-se que a campainha é importante
No metro não há campainhas. As carruagens param em todas as estações e em todas as estações as portas abrem para deixar entrar e sair os passageiros. É desta forma, e também por não haver o factor trânsito, que o metro consegue cumprir os horários.
Ora no autocarro as coisas não são tão simples. O cumprimento dos horários está intimamente ligado à perícia do motorista em ir compensando acelerações na faixa do BUS com semáforos vermelhos e carros mal parados. É por isso que, no bus, as campainhas têm uma função tão importante: alertar o motorista para a necessidade ou não de parar na próxima paragem. É que quando se dá a combinação ninguém-premiu-a-campainha/ninguém-na-paragem-quer-entrar, o bus não pára e ganham-se preciosos minutos. As campainhas não são bonitas, têm um som desagradável e estão sujas, mas nada disso lhes tira o protagonismo.
Ora no autocarro as coisas não são tão simples. O cumprimento dos horários está intimamente ligado à perícia do motorista em ir compensando acelerações na faixa do BUS com semáforos vermelhos e carros mal parados. É por isso que, no bus, as campainhas têm uma função tão importante: alertar o motorista para a necessidade ou não de parar na próxima paragem. É que quando se dá a combinação ninguém-premiu-a-campainha/ninguém-na-paragem-quer-entrar, o bus não pára e ganham-se preciosos minutos. As campainhas não são bonitas, têm um som desagradável e estão sujas, mas nada disso lhes tira o protagonismo.
quarta-feira, 22 de abril de 2009
… passa-se muitas vezes pelos mesmos sítios (2)
As minhas viagens de autocarro começaram no ano em que o Jacarandá do Largo do Virato morreu.
Em Abril de 2008, quando ainda não tinha folhas, pensei: fixe, vou assistir às etapas todas. Primeiro o castanho. Depois, por algumas semanas, o roxo. O verde também é bonito e mantém-se por longos meses. O problema é que os meses passaram e o castanho prevaleceu. A esperança de ver o roxo encolheu quando prenderam a árvore com uns cabos. Já mais para o final do ano, depois de mais de cem anos, a árvore deixou de estar lá. O Largo do Viriato ficou pequeno.
Achei simpático que plantassem rapidamente um novo jacarandá. Falta-lhe o tronco grosso. Faltam-lhe os 16,9 metros de altura. Falta-lhe a beleza. Faltam-lhe as qualidades para ser classificada como “árvore de Interesse Público”. Mas pelo menos a sequência castanho – roxo – verde vai continuar a preencher aquele trajecto.
Em Abril de 2008, quando ainda não tinha folhas, pensei: fixe, vou assistir às etapas todas. Primeiro o castanho. Depois, por algumas semanas, o roxo. O verde também é bonito e mantém-se por longos meses. O problema é que os meses passaram e o castanho prevaleceu. A esperança de ver o roxo encolheu quando prenderam a árvore com uns cabos. Já mais para o final do ano, depois de mais de cem anos, a árvore deixou de estar lá. O Largo do Viriato ficou pequeno.
Achei simpático que plantassem rapidamente um novo jacarandá. Falta-lhe o tronco grosso. Faltam-lhe os 16,9 metros de altura. Falta-lhe a beleza. Faltam-lhe as qualidades para ser classificada como “árvore de Interesse Público”. Mas pelo menos a sequência castanho – roxo – verde vai continuar a preencher aquele trajecto.
(obrigada à minha mãe por me ter dado a conhecer o Jacarandá quando ainda era pequenina e, assim, ter podido assistir a muito arroxeares ao longo dos anos)
terça-feira, 21 de abril de 2009
… encontram-se muitas vezes as mesmas pessoas (2)
Cheguei a pensar que se conheciam. Sempre um ao lado do outro nos penúltimos lugares do lado direito. Devem andar ambos pelos cinquenta. É obvio que o que está à janela entra primeiro do que o outro. De outra forma o ritual um-levanta-se/o-outro-sai/o-primeiro-volta-a-sentar-se não se repetiria diariamente quando estamos a chegar ao Hospital de S. João. E nem é nessa paragem que sai, mas gosta de garantir que está perto da porta quando tiver que o fazer. Nunca os vi a falar. Nem mesmo quando chega a altura do ritual. Basta um olhar e pronto um-levanta-se/o-outro-sai/o-primeiro-volta-a-sentar-se.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
… tenta ser-se simpático
Autocarro cheio. Pessoas de pé em todo o corredor. Um lugar vazio. Está meio escondido. Quase ninguém o vê. Mas ela sim. Mas lá não lhe apetece sentar. Olha à volta e escolhe a senhora com mais idade:
- Não se quer sentar?
- Obrigada. Não posso ir de costas.
- E a senhora, não se quer sentar?
- Não, não. Saio na próxima.
- O senhor...?
- Ó jovem, ainda tenho boas pernas para ir de pé!
Senta-se ela.
O autocarro pára e o rapaz que está ao lado levanta-se e sai.
Juro.
terça-feira, 14 de abril de 2009
… não se anda de metro
Antes das viagens no meu bus andava de metro. O metro é pontual. O autocarro nem sempre. Há um metro a cada 5 minutos. De vez em quando falha um autocarro e os 10 minutos de espera convertem-se em 20. O metro é espaçoso. No autocarro não se conseguem evitar os choques com outros passageiros quando se passa no corredor. No metro não há trânsito. No bus sim. O metro tem 80 lugares sentados (ou 160 no caso das carruagens duplas). O autocarro fica-se pelos 34. No metro há carruagens que têm televisão. No autocarro, quando muito, há motoristas que levam um rádio portátil. O metro move-se a electricidade. O autocarro a gasóleo ou a gás natural. No metro não é preciso avisar que se quer sair. No autocarro tem de se estar atento. Passe mensal para o metro = €23,45. Passe mensal para o autocarro = €23,45. Para mim, o metro implica uma viagem de carro até à paragem. O autocarro não. Carro + metro = 30 minutos. Caminhada + autocarro = 30 minutos. No carro apanha-se trânsito e fica-se mal disposto. Andar a pé quase sempre é agradável. E é por isso que a minha dimensão preferida não é o metro. É o bus.
segunda-feira, 13 de abril de 2009
… ouvem-se lá, lá, lás
Alguém me explique, por favor, o que é que pode levar uma pessoa a cantarolar alto e bom som no meio de uma viagem de autocarro. É que foi mesmo isso que aconteceu. Autocarro cheio. Poucas conversas no ar. Lá, lá, lá, láaa, lá, lá. Quem foi?! Não percebo. A viagem continua. O autocarro já está mais vazio. Lá, lá, lá, láaa, lá, lá. Eh pá! Isto aconteceu mesmo! Olho em redor e vejo uma rapariga a tentar controlar o riso. A que canta está sentada ao lado dela. Sexagenária, cabelo cortado à lá Maria da Música no Coração e um lá, lá, lá, láaa, lá, lá a sair-lhe da boca. Lanço um sorriso cúmplice à rapariga e prosseguimos viagem. Lá, lá, lá, láaa, lá, lá.
quinta-feira, 9 de abril de 2009
… encontram-se muitas vezes as mesmas pessoas (1)
Foi nele que reparei primeiro. A combinação vinte-e-poucos/fato-e-gravata/cabelo-puxado-para-a-frente/sapatos-envernizados-e-com-berloques/óculos-de-sol-vermelhos foi infalível para que reparasse nele. Senta-se sempre no lugar individual atrás do condutor e ouve música. Uma vez consegui identificar os Cold Play. Sempre achei que os Vampire Weekend eram mais adequados ao seu estilo freak-queque. Ao telemóvel diz coisas como: “a mãe já foi buscar o fato? Eu passo por lá.” Deve ser rico. Entra antes de mim e que sai na zona da Cordoaria. Deve andar em Direito. Só isso poderá justificar a combinação vinte-e-poucos/fato-e-gravata/sapatos-envernizados-e-com-berloques. Se calhar vai acabar por esquecer o cabelo-puxado-para-a-frente/óculos-de-sol-vermelhos. Assim como os Cold Play.
terça-feira, 7 de abril de 2009
… tem que se avisar que se quer sair
Quando tocar à campainha e accionar o placar “PARAR” não chega, aplicam-se técnicas alternativas:
- Ó Sr. Motorista, abra a porta!
- Hei! Então não ouviu a campainha!
- Sr. Motorista: aguarde um jeitinho, por favor! (sim, esta também resulta)
- Olhe a porta, homem!
- Está distraído. A porta!
- Por favor, avise aí o motorista para abrir a porta.
Nunca ninguém deixou de sair do meu bus, mas sem dúvida que uma boa colocação de voz e a utilização do “Sr.” são essenciais para que a operação seja bem sucedida.
Também há sempre a alternativa de se posicionar junto à porta da frente e esboçar um “deixa-me sair por aqui, por favor, sr. motorista, obrigado”. É infalível. Mas o segredo mesmo é ter que sair em paragens onde sai mais gente. É que, mesmo que a campainha/sinal luminoso não funcionem, quase sempre há alguém que toma a iniciativa de resolver a questão. E o problema de adequar o tom de voz e empregar um “Sr.”, mesmo quanto o motorista não o merece, fica resolvido.
- Ó Sr. Motorista, abra a porta!
- Hei! Então não ouviu a campainha!
- Sr. Motorista: aguarde um jeitinho, por favor! (sim, esta também resulta)
- Olhe a porta, homem!
- Está distraído. A porta!
- Por favor, avise aí o motorista para abrir a porta.
Nunca ninguém deixou de sair do meu bus, mas sem dúvida que uma boa colocação de voz e a utilização do “Sr.” são essenciais para que a operação seja bem sucedida.
Também há sempre a alternativa de se posicionar junto à porta da frente e esboçar um “deixa-me sair por aqui, por favor, sr. motorista, obrigado”. É infalível. Mas o segredo mesmo é ter que sair em paragens onde sai mais gente. É que, mesmo que a campainha/sinal luminoso não funcionem, quase sempre há alguém que toma a iniciativa de resolver a questão. E o problema de adequar o tom de voz e empregar um “Sr.”, mesmo quanto o motorista não o merece, fica resolvido.
segunda-feira, 6 de abril de 2009
… corre-se
Ali vem ele. Corro ou não corro? Valerá a pena? Hum… está bastante gente na paragem. Pode ser que dê tempo. Vai dar tempo. Estou quas… Olha, olha, fechou a porta. Tum! Tum! Tum! Já lá vai. E ninguém diz nada!!! Que simpatia!
sexta-feira, 3 de abril de 2009
… passa-se muitas vezes pelos mesmos sítios (1)
A dona entretém-se com limpezas. Às cinco da tarde, pelo menos, é isso que faz. Esfregona para um lado e para o outro. Também já vi um pano do pó. O que nunca vi foi um cliente. Vende artigos para casa-de-banho. Não são as louças. São as saboneteiras com patinhos, os tapetes felpudos e coloridos, as toalhas, os copos dos dentes com líquido azul e estrelas-do-mar, os autocolantes anti-escorregadelas em forma de pé, as balanças transparentes, os cestinhos para os cremes, os suportes para escovas e toda uma miríade de coisas e coisinhas que imagino serem escolhidas a dedo por ela. Cheguei a pensar em sair do bus e comprar um cabide para pôr atrás da porta. Não é que precise, mas não deve ser caro, dá sempre jeito, a senhora dava dois dedos de conversa e sempre tinha a oportunidade de expulsar, nem que por breves instantes, a solidão que também ocupa as prateleiras. O problema é que não o fiz e hoje, à hora de sempre, a porta estava fechada.
quarta-feira, 1 de abril de 2009
... vê-se o rio
OK, ok, nem todos os autocarros têm esse privilégio. Mas o meu bus permite-me começar o dia com uma espreitadela para o rio. É muito rápida. Tenho que me posicionar bem. O ideal é estar sentada no lado esquerdo, mesmo junto à janela. Hoje estou sentada no lado esquerdo, mesmo junto à janela. Lá vem… Pronto, já vi o rio. O dia vai correr bem. É que não há que enganar. É bom ver o rio quando se vai para o trabalho.
Subscrever:
Mensagens (Atom)